Quantas vezes, quando criança ou adolescente, você quis comprar alimentos e guloseimas apenas pelas cores e personagens da embalagem, ou até mesmo pelos brinquedos que os acompanhavam?
A obesidade infantojuvenil é um problema crescente em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil. Dados do Panorama da Obesidade em Crianças e Adolescentes, ferramenta desenvolvida pelo Instituto Desiderata, mostram que 31% das crianças e jovens brasileiros, entre 0 e 19 anos, apresentam excesso de peso (sobrepeso ou obesidade), superando o percentual de outro problema grave, a desnutrição, que atualmente atinge 5% desta faixa etária.
Um dos fatores que agravam essa situação é a publicidade de alimentos não saudáveis, principalmente as que são voltadas para o público infantil. De acordo com o Instituto Alana, que desenvolveu o Programa Criança e Consumo, campanhas de marketing que promovem alimentos ultraprocessados– que são ricos em açúcar, sódio, gorduras e outros aditivos industriais –, contribuem para o aumento da obesidade infantil, além do desenvolvimento de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
Segundo o Ministério da Saúde, a exposição prolongada à propaganda de alimentos ultraprocessados leva a um aumento no consumo desses produtos e cria uma relação emocional com as marcas, além da sensação de que elas proporcionam felicidade. Comerciais em televisão e rádio, anúncios em jornais e revistas, matérias na internet, amostras grátis de produtos, ofertas de brindes, descontos e promoções, apelos visuais, personagens lúdicos e promessas de diversão são algumas das estratégias utilizadas para alcançar esse público. Dados da UNICEF apontam que os produtos mais encontrados ao alcance das crianças em supermercados são refrigerantes (28,4%), guloseimas (28%) e cereais açucarados (27,6%).
Plataformas de lives e jogos online também têm se tornado canais estratégicos para dar publicidade aos alimentos ultraprocessados. Influenciadores digitais e criadores de conteúdo frequentemente são usados como intermediários para promover marcas de alimentos. Crianças e adolescentes que já navegam por este mundo digital acabam sendo impactados de forma indireta, o que torna a publicidade ainda mais difícil de ser regulada.
Especialistas em infâncias defendem que a publicidade direcionada a crianças é uma prática abusiva, pois explora um público vulnerável que ainda não é capaz de identificar tentativas de persuasão, e o Ministério da Saúde alerta que educar sobre escolhas alimentares saudáveis é um desafio ainda maior quando as crianças estão constantemente expostas a mensagens publicitárias que normalizam o consumo de produtos prejudiciais à saúde.
A proteção do ambiente escolar
A influência da publicidade é tão abrangente, que ultrapassa o ambiente doméstico, atingindo também as escolas. Elas têm sido alvo de ações promocionais de marcas de alimentos ultraprocessados, com estratégias que incluem patrocínios escolares e ações em redes sociais, ampliando a influência de maneira quase invisível para os pais e responsáveis. Sem falar nas cantinas, comuns nos estabelecimentos da rede privada, que comercializam alimentos ultraprocessados e não raro exibem propagandas deles.
Ao ceder às estratégias de marketing, as escolas transformam a alimentação em uma extensão da publicidade, não em um instrumento educativo. Isso dificulta a formação de uma relação positiva com a alimentação e compromete a prevenção de doenças, prejudicando ações essenciais, como o ensino de escolhas alimentares saudáveis e a oferta de refeições equilibradas. Assim, o ambiente escolar, que deveria ser um espaço dedicado à educação alimentar e nutricional, torna-se um cenário pouco propício para o desenvolvimento de hábitos saudáveis e duradouros.
No estado do Rio de Janeiro, no ano de 2023, dois municípios promulgaram leis que regulamentam o ambiente alimentar das instituições de ensino públicas e privadas. A Lei nº 7.987/2023, do Rio de Janeiro, e a Lei 3766/2023, de Niterói, restringem a oferta, venda e publicidade de alimentos e bebidas ultraprocessados. O Instituto Desiderata participou ativamente deste momento, fazendo um trabalho de advocacy e campanhas para que as leis fossem aprovadas nas duas cidades, a exemplo do que já acontece em outros estados brasileiros e até mesmo seguindo uma tendência para o país inteiro. O objetivo é que as crianças e adolescentes tenham acesso a lanches e refeições de melhor qualidade e que contribuam para um desenvolvimento saudável.
Recentemente, o Instituto Brasileiro para Defesa do Consumidores (Idec) e a ACT Promoção da Saúde divulgaram o Dossiê Big Food, o resultado de um estudo sobre a influência da indústria alimentícia nos hábitos alimentares da população. O documento menciona dados do Projeto CAEB (Comercialização de Alimentos e Bebidas em Escolas Brasileiras), mostrando que, antes das leis que restringem a oferta e venda de ultraprocessados, havia salgadinhos em 80,5%, frutas em 7,0% e suco natural em 35% das cantinas escolares do Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, onde já existia legislação estadual sobre o tema, havia oferta de salgadinhos em 5%, frutas em 85% e suco natural em 80% das cantinas escolares.
O Dossiê Big Food revela ainda que as indústrias alimentícias frequentemente resistem a mudanças e restrições, alegando possíveis perdas financeiras, e colocam os interesses econômicos acima de questões sociais. Por isso, como sempre reforçamos aqui, prevenção e cuidado com a obesidade não são uma responsabilidade do indivíduo ou da família somente, mas uma questão de saúde coletiva e políticas públicas.
Comments